�ltima Edi��o
Especial 2021
Especial 2021

Literatura e Cultura

Tributo a Hilda Mendonça

  • A Revista Foco se une a amigos e familiares de D. Hilda Mendonça para prestar-lhe uma carinhosa homenagem, nesse dia 11 de maio de 2022, quando se completa 01 ano que ela foi contar histórias no Céu.

    D. Hilda, mais do que uma talentosa escritora, foi uma grande parceira da Revista Foco ao longo de aproximadamente 15 anos. Escrevia, mensalmente, historiazinhas in�ditas para a crian�ada. Historiazinhas, estas, muito apreciadas e bem aproveitadas em trabalhos escolares que viravam teatrinho, jogral, exposi��o em cartazes nos corredores das escolas, principalmente na idade de alfabetiza��o.

    Com toda a sua sensibiidade e criatividade, D. Hilda transformava fatos simples do cotidiano em situa��es que a crian�ada muito se identificava. Ela sabia, como poucos, interpretar e transformar em hist�rias os sentimentos e as emo��es do universo infantil.

    Vai deixar muita saudade... e o jeito mais simples de matar essa saudade � ler sua vasta obra que deixou para n�s. Ali�s, um rico e belo legado.

    Seguem abaixo algumas “palavras” de familiares e amigos:

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    O  violonista Celso Faria
    O violonista Celso Faria.

    Celso Faria violonista

    Conheci a professora e escritora Hilda Mendon�a no dia 28 de janeiro de 1994. Podem me perguntar: se lembra do dia, m�s e ano? Claro que sim. Nesta mesma ocasi�o ocorreu meu debut como violonista - tenho ou n�o raz�o para me recordar!

    Vou explicar: estava de f�rias em Passos e recebi um convite da Secretaria de Educa��o, Lazer e Cultura para me apresentar em uma solenidade que ocorreria no anfiteatro da Casa da Cultura, na Pra�a Geraldo da Silva Maia. Eu j� tinha o viol�o como amigo insepar�vel e, nem preciso dizer que fiquei extremamente feliz. Pois bem, nesta mesma solenidade, a Hilda, que estava de passagem pela cidade, lan�aria seu livro "Exerc�cio de Viver". Foi uma noite muito agrad�vel - m�sica e literatura no mesmo espa�o. Nunca me esquecerei quando terminei minha apresenta��o e ela me pediu: "toca a 'Marcha dos Marinheiros'", composi��o do Canhoto, Am�rico Jacomino - como esta obra estava "debaixo dos dedos", prontamente atendi.

    Nossos caminhos n�o se cruzaram at� que, em 2018, realizei o "I Festival de M�sica de C�mara de Passos". Hilda compareceu aos dois recitais na Capela do Educand�rio Senhor Bom Jesus dos Passos e pode ouvir m�sicas de grandes compositores - Bach, Paganini, Villa-Lobos, H�ndel, Castelnuovo-Tedesco, entre outros. A partir da�, nosso contato foi reativado e, eram frequentes minhas visitas � sua casa, quando eu estava em Passos. Chegamos a trabalhar juntos em um projeto, o ciclo de "Can��es de Amor e Vida", que conta com a m�sica do compositor J�natas Reis, al�m do soprano Lilian Assump��o. Espero, em breve, poder mostrar a todos este lindo cancioneiro que revela todo o sentimento po�tico da grande Hilda Mendon�a!

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    Regina Sales Lemos Oliveira, sobrinha.�

    REGINA SALES LEMOS OLIVEIRA

    Sobrinha de D. Hilda Mendon�a

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    N�o se apaga uma estrela que nasceu para brilhar.

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    Podem tentar, insistir,�mas aviso: desistam. Essa nasceu para o brilho, para a vit�ria.

    Hilda Mendon�a, menina pobre, interiorana. Contrariando todas as perspectivas� da vida apagada e pacata, saiu do remanso, deixou o colo natal, e foi para o mundo. Venceu-o. Conquistou a cidade grande. Conquistou a Capital do Pa�s: Bras�lia.

    L� estar� para sempre nos cora��es de alunos, colegas professores, amigos, escritores, nomeando biblioteca de escola p�blica, onde trabalhou por anos. Membro fundadora da Academia Taguatinguense de Letras. Seu rosto estampado em caricatura,� nos muros de sua sede, no centro da cidade, para aprecia��o de curiosos: Quem � ela?� Ela � escritora, poetisa, contista, folclorista.

    Voltou gloriosa para sua Terra, continuando sua hist�ria, que ficar� marcada para sempre nessa cidade de Passos, onde iniciou e ensinou os primeiros passos �queles desejosos de tamb�m escreverem hist�rias, poemas, al�ar voos na literatura, idealizando com esses a Associa��o de Escritores, come�ada na garagem de sua aconchegante resid�ncia, encantando a tantos com sua criatividade e intimidade com as palavras.

    Declarou seu amor �s pessoas e a sua Terra. Alguns de seus poemas: Passos, Ventania, Minas, Rio Grande.

    Seu nome? N�o esque�am jamais: Hilda Mendon�a.

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    Atenciosamente, sua sobrinha Regina.

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    Raquel Majela Lemos, sobrinha.

    RAQUEL MAJELA LEMOS

    Sobrinha de D. Hilda Mendon�a, mora em Ouvidor, pr�ximo de Catal�o.
    Ao se inspirar em sua tia, escreveu contos e poesias.
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    Sempre foi agitada, n�o parava para nada, buscava� sempre algo mais e transgredia as leis da �poca, que os pais impunham: sair sozinha, usar saias curtas com saltos fin�ssimos, e andar nas ladeiras de Passos. Mesmo com o peso acima da m�dia, n�o menos agitada e nem emagrecia com tantas andan�as.
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    Nos tempos de Ribeir�o Preto, contava hist�ria de Pedro Malazarte, e encantava a meninada. Era sempre rodeada dos sobrinhos de sua irm� Tereza, dos quais as sobrinhas todas se formaram professoras, seguindo seus passos.
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    Volta para Passos, trabalho na escola Fisk, primeira de ingl�s na cidade. Na costura com a irm� Orminda e arreliando com o pai por causa das saias curtas. A briga acirrou, pois queria estudar. E estudou, duro, do�do. Conseguiu. Orgulho da fam�lia que reunida, assistiu a formatura, professora de portugu�s, n�o tinha nenhum com faculdade. Cidade pequena, dificuldade para ingressar na carreira. A irm� Tereza havia se mudado para Bras�lia, Taguatinga, cidade sat�lite, terra de oportunidades. Convidou-a para passar uns dias na capital do pa�s.�
    Ao chegar, gostou do lugar e os dias passando: Natal, Ano Novo, a irm� pedindo que ficasse at� come�arem as aulas. Sim, come�ou tamb�m para Hilda novo tempo: sessenta horas semanais de aulas, n�o vencia convites, e, finalmente Bodas de Prata na profiss�o. Mas trabalhou mais, para somar mais tempo de trabalho.�
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    N�o parava nunca. Construiu casa em Passos, comprou apartamento em Taguatinga, dirigia seu fusca - adorava. E o "bichinho carpinteiro", como ela mesma se referia, sempre mordendo. Tornou-se escritora, reconhecida, seus trabalhos aveludados de emo��o. A biblioteca da escola EIT, hoje, Hilda Mendon�a. Trabalho com os cegos, com os desfiles de Taguatinga, Academia Taguatinguense de Letras e tantas publica��es.
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    Um dia conheceu o amor. N�o amor vagabundo, mas desses que fundam na alma e se casam at� a eternidade. N�o h� como separar os dois: a Hilda e o Vicente, ambos grandes. Viviam bem em Taguatinga, casa cheia de amigos, muita atividade, e Hilda, de novo, volta para Passos, aposentou-se.
    E foi. Foi embora. Raramente vem visitar a capital, vive rodeada de amigos novos e dos irm�os Jo�o e Orminda. �s vezes pensa que� nesse lugar, onde plantou sementes, povoou sonhos, n�o imagina o buraco, o vazio deixado em muitos cora��es, com sua aus�ncia.
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    Em Passos mora em uma casa espa�osa, recebe muitos amigos, mora perto dos irm�os e deve ser feliz. Construiu uma vida plena, sadia.�
    Deixou muitos filhos� em Taguatinga, e hoje s�o lidos nas escolas por crian�as e adultos, que ela n�o conhece, mas o brilho nos olhos dos meninos, com as hist�rias dela, ainda � o mesmo, n�o como a de Pedro Malazarte, mas hist�rias que ela criou, com personagens vivos, iguais aos meninos de agora: travessos, sonhadores, como Sossega, Menino. Quem sabe essas sementes v�o brotar e recontar os sonhos de meninos e meninas. Exemplo� do menino Rodrigo, pequenino, da quinta s�rie, que ouviu a hist�ria. Pegou na biblioteca e j� leu duas vezes.
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    Abra�o, Raquel.
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    O�jornalista e arquiteto,�William Fran�a.

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    Hilda Mendon�a, irrequieta professora

    Por�William Fran�a, 55, jornalista e arquiteto

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    Hilda Mendon�a, ou Tia Hilda, foi uma professora sui generis: ela “passava de ano” junto com seus alunos e, assim, p�de (literalmente) acompanhar o nosso crescimento. Foi minha professora de Portugu�s desde a 4� s�rie prim�ria, quando eu tinha 10 anos, e me acompanhou por cinco anos consecutivos. Terminei meu 1� Grau escrevendo corretamente. E bem.

    Digo que foi ela quem “inoculou” em mim o v�rus do Jornalismo. Isso porque ainda crian�a eu virei “rep�rter” de O Moita, jornalzinho feito em mime�grafo a �lcool, que contava o nosso cotidiano escolar. Depois, eu j� na 6� s�rie, ele se tornou Stellartee passou a ser feito em gr�fica. Desde l�, nunca mais deixei de escrever not�cias.

    Mas a Tia Hilda n�o me ensinou apenas a escrever bem. Ela me ensinou, por meio de atitudes, que a gente tem de se comprometer a fazer as coisas corretamente, a respeitar os outros, a correr atr�s do espa�o pr�prio, a realizar nossos sonhos. De entender que todos os lugares s�o feitos por sua cultura e por sua gente.

    Nos tornamos amigos. Mantivemos o h�bito de nos escrever, por carta. Ela em Minas, eu em Bras�lia. Ela sempre enviando exemplares dos seus contos, poemas e hist�rias infantis. Eu, relatando minhas experi�ncias mundo afora. A �ltima, recebi dois meses antes de ela nos deixar. Foi linda, meio que um balan�o do que hav�amos passado, em 46 anos desde que ela me conheceu, moleque irrequieto.

    Tia Hilda deve estar agitando o c�u, com algum tipo de interven��o cultural, lendo poemas para os santos e anjos. Ela tamb�m sempre foi irrequieta. Ainda bem...

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    William Fran�a � sobrinho de D. Hilda Mendon�a.

    Reside em Bras�lia.

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    Jo�o Carlos Taveira

    HILDA MENDON�A E O DIF�CIL OF�CIO DE CONTAR HIST�RIAS

    Por Jo�o Carlos Taveira*

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    Quando terminei a leitura dos dez contos que comp�em o belo volume, intitulado “Redemoinho do Tempo”, de Hilda Mendon�a (1939-2021), lembrei-me de que h� muito tempo havia afirmado, peremptoriamente, diante de uma circunst�ncia similar, que a arte n�o � apenas uma representa��o est�tica das emo��es do homem, nem de suas a��es. Toda a sua magnitude e misteriosa aspira��o residem no gesto factual, sim, e na reflexiva compreens�o do mundo, mas de tal modo que a sua concep��o fique imediatamente sujeita ao exerc�cio da t�cnica. Ou seja, os nossos sentimentos sozinhos pouco ou quase nada nos adiantam em nossa necessidade e vontade de criar, ou de expressar.

    Hilda Mendon�a, com seu estilo cristalizado, sua t�cnica despojada, vem socorrer-me nesta afirmativa, pois condensa, entre linguagem e s�mbolos, toda uma mescla de caracteres humanos, ao longo da constru��o elaborada de sua narrativa ficcional. Quer dizer, n�o resvala na banalidade meramente descritiva. Conhece muito bem as exig�ncias t�cnicas dos g�neros (e a escritora mineira transita em v�rios deles) em que se manifesta criativamente e, “et pour cause”, se prop�e a revelar aos seus leitores.

    Os dez contos que formam o corpo deste livro, ao mesmo tempo em que s�o hist�rias d�spares e isoladas entre si, tamb�m podem ser fragmentos de uma hist�ria �nica, cujo universo prec�puo, motivador, estar� sempre reduzido ao universo incompreens�vel e avassalador das personagens descritas em cada circunst�ncia. Fato que, de certa maneira, aproxima o livro de “Vidas Secas” do nosso grande Graciliano Ramos. Em s�ntese, uma procura desesperada (o “leitmotiv”da escritora) de salvar-se, partindo da compreens�o e aceita��o do que est� perdido, do que est� supostamente perdido, numa tentativa de fragmenta��o de seu discurso narrativo.

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    No conto “Fantasmas noturnos” h� um trecho bastante esclarecedor:

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    “Papai est� roncando. Que ingenuidade! Ah, se ele soubesse quem ser� o lobisomem e quem ser� a mula-sem-cabe�a desta noite! Tamb�m, papai s� gosta de dormir e trabalhar. Ser� que ele n�o tem medo? Nem sei o que ele pensa! E essa diaba de noite que n�o acaba mais! E esse danado de sol dorminhoco! Queria ver o lobisomem Oleg�rio na frente dele, s� para ter certeza se ele ainda continuava a dormir. Tamb�m, o sol nunca viu essas coisas! A lua, sim, ela sabe. E como sabe. � ela quem v� as monstruosidades que aqui acontecem...”

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    A divaga��o � de uma menininha angustiada pela aus�ncia do sono, pelo medo de fantasmas, completamente � merc� de sua pr�pria precariedade, a sonhar acordada com o raiar do dia, esse benfazejo espantador de lobisomens e mulas-sem-cabe�a que povoam as mentes e os cora��es f�rteis dessas criaturinhas a que chamamos de crian�as.

    Em “O retrato”, outro conto com nuan�as autobiogr�ficas, a necessidade de uma recomposi��o simb�lica imediata, via personagem/narrador, eclode de forma quase id�ntica � do primeiro caso, aludido no par�grafo anterior: “� noite rez�vamos pelo defunto daquele dia, e �amos dormir, ou melhor, iam. Eu passava a noite em claro. Modo de dizer, pois a lamparina estava sempre apagada.”

    Em Hilda Mendon�a, transparentemente, cristalinamente, todos os percal�os e obst�culos da vida retratada, por meio do suporte da idea��o l�rica, n�o deixam o campo das hip�teses on�ricas para assumirem posturas ou compromissos com a realidade vivida. Tudo � a verdade de uma suposta mentira. A sua responsabilidade criativa resulta do apenas exerc�cio de sinceridade. E essa capacidade flu�dica, muito bem caracterizada nos fantasmas, esp�ritos-do-outro-mundo, mulas-sem-cabe�a, geralmente permeia a sua t�cnica discursiva, no que concerne ao texto liter�rio. A autora que � tamb�m professora, folclorista e poetisa se compraz diante da sua pr�pria (re)cria��o de ser e de haver sido, enquanto identidade e fantasia.

    Em “Puberdade interiorana”, como em “Enlace matrimonial”, do ponto de vista formal, podemos captar alguma despreocupa��o inventiva na lide da ang�stia das frustra��es sexuais, porque foi embutida na forma��o dos seres que comp�em seu universo, de fic��o ou n�o. Mas o resultado final � bastante positivo.

    J� no conto “Olho por olho”, temos a chave de todo o mist�rio — aqui apresentado mais em forma de indigna��o do que de busca de uma poss�vel revela��o —, o mesmo mist�rio que Hilda descerra, gradualmente, ao longo dessas pe�as uniformes, un�ssonas, com toda a sua carga de emotiva sutileza.

    Eis-nos, portanto, diante de uma universalidade de valores est�ticos, t�o bem delineados na simplicidade da prov�ncia: argila e catarse da contista que surgiu um dia e h� muitos anos — plena de voo — para o dif�cil of�cio de contar hist�rias. Hilda, que n�o est� mais entre n�s, deixou-nos seguramente um legado precioso: foi professora completa, dentro e fora das salas de aula, e escritora de recursos cada vez mais raros entre os escritores das novas gera��es.

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    *Jo�o Carlos Taveira, poeta, ensa�sta e cr�tico mineiro radicado em Bras�lia, � membro da Academia Brasiliense de Letras, da Academia de Letras do Brasil, da Academia Taguatinguense de Letras (s�cio fundador) e do Instituto Hist�rico e Geogr�fico do Distrito Federal. Autor de v�rios livros publicados, � colaborador especial do Jornal Op��o, de Goi�nia-GO.

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    A escritora mineira Hilda Mendon�a (1939-2021) — em tarde de aut�grafos.

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