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Especial 2021
Especial 2021

Aconteceu

Hilda

  • subtile

    O  violonista Celso Faria
    O violonista Celso Faria.

    Celso Faria violonista

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    Conheci a professora e escritora Hilda Mendon�a no dia 28 de janeiro de 1994. Podem me perguntar: se lembra do dia, m�s e ano? Claro que sim. Nesta mesma ocasi�o ocorreu meu debut como violonista - tenho ou n�o raz�o para me recordar!

    Vou explicar: estava de f�rias em Passos e recebi um convite da Secretaria de Educa��o, Lazer e Cultura para me apresentar em uma solenidade que ocorreria no anfiteatro da Casa da Cultura, na Pra�a Geraldo da Silva Maia. Eu j� tinha o viol�o como amigo insepar�vel e, nem preciso dizer que fiquei extremamente feliz. Pois bem, nesta mesma solenidade, a Hilda, que estava de passagem pela cidade, lan�aria seu livro "Exerc�cio de Viver". Foi uma noite muito agrad�vel - m�sica e literatura no mesmo espa�o. Nunca me esquecerei quando terminei minha apresenta��o e ela me pediu: "toca a 'Marcha dos Marinheiros'", composi��o do Canhoto, Am�rico Jacomino - como esta obra estava "debaixo dos dedos", prontamente atendi.

    Nossos caminhos n�o se cruzaram at� que, em 2018, realizei o "I Festival de M�sica de C�mara de Passos". Hilda compareceu aos dois recitais na Capela do Educand�rio Senhor Bom Jesus dos Passos e pode ouvir m�sicas de grandes compositores - Bach, Paganini, Villa-Lobos, H�ndel, Castelnuovo-Tedesco, entre outros. A partir da�, nosso contato foi reativado e, eram frequentes minhas visitas � sua casa, quando eu estava em Passos. Chegamos a trabalhar juntos em um projeto, o ciclo de "Can��es de Amor e Vida", que conta com a m�sica do compositor J�natas Reis, al�m do soprano Lilian Assump��o. Espero, em breve, poder mostrar a todos este lindo cancioneiro que revela todo o sentimento po�tico da grande Hilda Mendon�a!

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    Regina Sales Lemos Oliveira, sobrinha.�

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    REGINA SALES LEMOS OLIVEIRA

    Sobrinha de D. Hilda Mendon�a

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    N�o se apaga uma estrela que nasceu para brilhar.

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    Podem tentar, insistir,�mas aviso: desistam. Essa nasceu para o brilho, para a vit�ria.

    Hilda Mendon�a, menina pobre, interiorana. Contrariando todas as perspectivas� da vida apagada e pacata, saiu do remanso, deixou o colo natal, e foi para o mundo. Venceu-o. Conquistou a cidade grande. Conquistou a Capital do Pa�s: Bras�lia.

    L� estar� para sempre nos cora��es de alunos, colegas professores, amigos, escritores, nomeando biblioteca de escola p�blica, onde trabalhou por anos. Membro fundadora da Academia Taguatinguense de Letras. Seu rosto estampado em caricatura,� nos muros de sua sede, no centro da cidade, para aprecia��o de curiosos: Quem � ela?� Ela � escritora, poetisa, contista, folclorista.

    Voltou gloriosa para sua Terra, continuando sua hist�ria, que ficar� marcada para sempre nessa cidade de Passos, onde iniciou e ensinou os primeiros passos �queles desejosos de tamb�m escreverem hist�rias, poemas, al�ar voos na literatura, idealizando com esses a Associa��o de Escritores, come�ada na garagem de sua aconchegante resid�ncia, encantando a tantos com sua criatividade e intimidade com as palavras.

    Declarou seu amor �s pessoas e a sua Terra. Alguns de seus poemas: Passos, Ventania, Minas, Rio Grande.

    Seu nome? N�o esque�am jamais: Hilda Mendon�a.

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    Atenciosamente, sua sobrinha Regina.

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    Raquel Majela Lemos, sobrinha.

    RAQUEL MAJELA LEMOS

    Sobrinha de D. Hilda Mendon�a, mora em Ouvidor, pr�ximo de Catal�o.
    Ao se inspirar em sua tia, escreveu contos e poesias.
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    Sempre foi agitada, n�o parava para nada, buscava� sempre algo mais e transgredia as leis da �poca, que os pais impunham: sair sozinha, usar saias curtas com saltos fin�ssimos, e andar nas ladeiras de Passos. Mesmo com o peso acima da m�dia, n�o menos agitada e nem emagrecia com tantas andan�as.
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    Nos tempos de Ribeir�o Preto, contava hist�ria de Pedro Malazarte, e encantava a meninada. Era sempre rodeada dos sobrinhos de sua irm� Tereza, dos quais as sobrinhas todas se formaram professoras, seguindo seus passos.
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    Volta para Passos, trabalho na escola Fisk, primeira de ingl�s na cidade. Na costura com a irm� Orminda e arreliando com o pai por causa das saias curtas. A briga acirrou, pois queria estudar. E estudou, duro, do�do. Conseguiu. Orgulho da fam�lia que reunida, assistiu a formatura, professora de portugu�s, n�o tinha nenhum com faculdade. Cidade pequena, dificuldade para ingressar na carreira. A irm� Tereza havia se mudado para Bras�lia, Taguatinga, cidade sat�lite, terra de oportunidades. Convidou-a para passar uns dias na capital do pa�s.�
    Ao chegar, gostou do lugar e os dias passando: Natal, Ano Novo, a irm� pedindo que ficasse at� come�arem as aulas. Sim, come�ou tamb�m para Hilda novo tempo: sessenta horas semanais de aulas, n�o vencia convites, e, finalmente Bodas de Prata na profiss�o. Mas trabalhou mais, para somar mais tempo de trabalho.�
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    N�o parava nunca. Construiu casa em Passos, comprou apartamento em Taguatinga, dirigia seu fusca - adorava. E o "bichinho carpinteiro", como ela mesma se referia, sempre mordendo. Tornou-se escritora, reconhecida, seus trabalhos aveludados de emo��o. A biblioteca da escola EIT, hoje, Hilda Mendon�a. Trabalho com os cegos, com os desfiles de Taguatinga, Academia Taguatinguense de Letras e tantas publica��es.
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    Um dia conheceu o amor. N�o amor vagabundo, mas desses que fundam na alma e se casam at� a eternidade. N�o h� como separar os dois: a Hilda e o Vicente, ambos grandes. Viviam bem em Taguatinga, casa cheia de amigos, muita atividade, e Hilda, de novo, volta para Passos, aposentou-se.
    E foi. Foi embora. Raramente vem visitar a capital, vive rodeada de amigos novos e dos irm�os Jo�o e Orminda. �s vezes pensa que� nesse lugar, onde plantou sementes, povoou sonhos, n�o imagina o buraco, o vazio deixado em muitos cora��es, com sua aus�ncia.
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    Em Passos mora em uma casa espa�osa, recebe muitos amigos, mora perto dos irm�os e deve ser feliz. Construiu uma vida plena, sadia.�
    Deixou muitos filhos� em Taguatinga, e hoje s�o lidos nas escolas por crian�as e adultos, que ela n�o conhece, mas o brilho nos olhos dos meninos, com as hist�rias dela, ainda � o mesmo, n�o como a de Pedro Malazarte, mas hist�rias que ela criou, com personagens vivos, iguais aos meninos de agora: travessos, sonhadores, como Sossega, Menino. Quem sabe essas sementes v�o brotar e recontar os sonhos de meninos e meninas. Exemplo� do menino Rodrigo, pequenino, da quinta s�rie, que ouviu a hist�ria. Pegou na biblioteca e j� leu duas vezes.
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    Abra�o, Raquel.
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    O�jornalista e arquiteto,�William Fran�a.

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    Hilda Mendon�a, irrequieta professora

    Por�William Fran�a, 55, jornalista e arquiteto

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    Hilda Mendon�a, ou Tia Hilda, foi uma professora sui generis: ela “passava de ano” junto com seus alunos e, assim, p�de (literalmente) acompanhar o nosso crescimento. Foi minha professora de Portugu�s desde a 4� s�rie prim�ria, quando eu tinha 10 anos, e me acompanhou por cinco anos consecutivos. Terminei meu 1� Grau escrevendo corretamente. E bem.

    Digo que foi ela quem “inoculou” em mim o v�rus do Jornalismo. Isso porque ainda crian�a eu virei “rep�rter” de O Moita, jornalzinho feito em mime�grafo a �lcool, que contava o nosso cotidiano escolar. Depois, eu j� na 6� s�rie, ele se tornou Stellartee passou a ser feito em gr�fica. Desde l�, nunca mais deixei de escrever not�cias.

    Mas a Tia Hilda n�o me ensinou apenas a escrever bem. Ela me ensinou, por meio de atitudes, que a gente tem de se comprometer a fazer as coisas corretamente, a respeitar os outros, a correr atr�s do espa�o pr�prio, a realizar nossos sonhos. De entender que todos os lugares s�o feitos por sua cultura e por sua gente.

    Nos tornamos amigos. Mantivemos o h�bito de nos escrever, por carta. Ela em Minas, eu em Bras�lia. Ela sempre enviando exemplares dos seus contos, poemas e hist�rias infantis. Eu, relatando minhas experi�ncias mundo afora. A �ltima, recebi dois meses antes de ela nos deixar. Foi linda, meio que um balan�o do que hav�amos passado, em 46 anos desde que ela me conheceu, moleque irrequieto.

    Tia Hilda deve estar agitando o c�u, com algum tipo de interven��o cultural, lendo poemas para os santos e anjos. Ela tamb�m sempre foi irrequieta. Ainda bem...

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    William Fran�a � sobrinho de D. Hilda Mendon�a.

    Reside em Bras�lia.

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    Jo�o Carlos Taveira

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    HILDA MENDON�A E O DIF�CIL OF�CIO DE CONTAR HIST�RIAS

    Por Jo�o Carlos Taveira*

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    Quando terminei a leitura dos dez contos que comp�em o belo volume, intitulado “Redemoinho do Tempo”, de Hilda Mendon�a (1939-2021), lembrei-me de que h� muito tempo havia afirmado, peremptoriamente, diante de uma circunst�ncia similar, que a arte n�o � apenas uma representa��o est�tica das emo��es do homem, nem de suas a��es. Toda a sua magnitude e misteriosa aspira��o residem no gesto factual, sim, e na reflexiva compreens�o do mundo, mas de tal modo que a sua concep��o fique imediatamente sujeita ao exerc�cio da t�cnica. Ou seja, os nossos sentimentos sozinhos pouco ou quase nada nos adiantam em nossa necessidade e vontade de criar, ou de expressar.

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    Hilda Mendon�a, com seu estilo cristalizado, sua t�cnica despojada, vem socorrer-me nesta afirmativa, pois condensa, entre linguagem e s�mbolos, toda uma mescla de caracteres humanos, ao longo da constru��o elaborada de sua narrativa ficcional. Quer dizer, n�o resvala na banalidade meramente descritiva. Conhece muito bem as exig�ncias t�cnicas dos g�neros (e a escritora mineira transita em v�rios deles) em que se manifesta criativamente e, “et pour cause”, se prop�e a revelar aos seus leitores.

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    Os dez contos que formam o corpo deste livro, ao mesmo tempo em que s�o hist�rias d�spares e isoladas entre si, tamb�m podem ser fragmentos de uma hist�ria �nica, cujo universo prec�puo, motivador, estar� sempre reduzido ao universo incompreens�vel e avassalador das personagens descritas em cada circunst�ncia. Fato que, de certa maneira, aproxima o livro de “Vidas Secas” do nosso grande Graciliano Ramos. Em s�ntese, uma procura desesperada (o “leitmotiv”da escritora) de salvar-se, partindo da compreens�o e aceita��o do que est� perdido, do que est� supostamente perdido, numa tentativa de fragmenta��o de seu discurso narrativo.

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    No conto “Fantasmas noturnos” h� um trecho bastante esclarecedor:

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    “Papai est� roncando. Que ingenuidade! Ah, se ele soubesse quem ser� o lobisomem e quem ser� a mula-sem-cabe�a desta noite! Tamb�m, papai s� gosta de dormir e trabalhar. Ser� que ele n�o tem medo? Nem sei o que ele pensa! E essa diaba de noite que n�o acaba mais! E esse danado de sol dorminhoco! Queria ver o lobisomem Oleg�rio na frente dele, s� para ter certeza se ele ainda continuava a dormir. Tamb�m, o sol nunca viu essas coisas! A lua, sim, ela sabe. E como sabe. � ela quem v� as monstruosidades que aqui acontecem...”

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    A divaga��o � de uma menininha angustiada pela aus�ncia do sono, pelo medo de fantasmas, completamente � merc� de sua pr�pria precariedade, a sonhar acordada com o raiar do dia, esse benfazejo espantador de lobisomens e mulas-sem-cabe�a que povoam as mentes e os cora��es f�rteis dessas criaturinhas a que chamamos de crian�as.

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    Em “O retrato”, outro conto com nuan�as autobiogr�ficas, a necessidade de uma recomposi��o simb�lica imediata, via personagem/narrador, eclode de forma quase id�ntica � do primeiro caso, aludido no par�grafo anterior: “� noite rez�vamos pelo defunto daquele dia, e �amos dormir, ou melhor, iam. Eu passava a noite em claro. Modo de dizer, pois a lamparina estava sempre apagada.”

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    Em Hilda Mendon�a, transparentemente, cristalinamente, todos os percal�os e obst�culos da vida retratada, por meio do suporte da idea��o l�rica, n�o deixam o campo das hip�teses on�ricas para assumirem posturas ou compromissos com a realidade vivida. Tudo � a verdade de uma suposta mentira. A sua responsabilidade criativa resulta do apenas exerc�cio de sinceridade. E essa capacidade flu�dica, muito bem caracterizada nos fantasmas, esp�ritos-do-outro-mundo, mulas-sem-cabe�a, geralmente permeia a sua t�cnica discursiva, no que concerne ao texto liter�rio. A autora que � tamb�m professora, folclorista e poetisa se compraz diante da sua pr�pria (re)cria��o de ser e de haver sido, enquanto identidade e fantasia.

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    Em “Puberdade interiorana”, como em “Enlace matrimonial”, do ponto de vista formal, podemos captar alguma despreocupa��o inventiva na lide da ang�stia das frustra��es sexuais, porque foi embutida na forma��o dos seres que comp�em seu universo, de fic��o ou n�o. Mas o resultado final � bastante positivo.

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    J� no conto “Olho por olho”, temos a chave de todo o mist�rio — aqui apresentado mais em forma de indigna��o do que de busca de uma poss�vel revela��o —, o mesmo mist�rio que Hilda descerra, gradualmente, ao longo dessas pe�as uniformes, un�ssonas, com toda a sua carga de emotiva sutileza.

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    Eis-nos, portanto, diante de uma universalidade de valores est�ticos, t�o bem delineados na simplicidade da prov�ncia: argila e catarse da contista que surgiu um dia e h� muitos anos — plena de voo — para o dif�cil of�cio de contar hist�rias. Hilda, que n�o est� mais entre n�s, deixou-nos seguramente um legado precioso: foi professora completa, dentro e fora das salas de aula, e escritora de recursos cada vez mais raros entre os escritores das novas gera��es.

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    *Jo�o Carlos Taveira, poeta, ensa�sta e cr�tico mineiro radicado em Bras�lia, � membro da Academia Brasiliense de Letras, da Academia de Letras do Brasil, da Academia Taguatinguense de Letras (s�cio fundador) e do Instituto Hist�rico e Geogr�fico do Distrito Federal. Autor de v�rios livros publicados, � colaborador especial do Jornal Op��o, de Goi�nia-GO.

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    A escritora mineira Hilda Mendon�a (1939-2021) — em tarde de aut�grafos.

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