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Saúde

TRAUMAS EMOCIONAIS - Como se proteger de abusos

  • As recentes denúncias de crimes sexuais durante atendimento espiritual e médico chamam a atenção para a fragilidade psíquica das vítimas; o conhecimento é fundamental para elas se protegerem. Uma psicóloga e um espírita falam sobre traumas emocionais que acabam levando muita gente a buscar uma cura milagrosa, mas se tornam vítimas de abusos.

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    Psicóloga Heloisa Cristina Silva, especializada em psicoterapia cognitivo-comportamental.
    Psicóloga Heloisa Cristina Silva, especializada em psicoterapia cognitivo-comportamental.

     

    As prisões do médium João de Deus em dezembro do ano de 2018 e de um médico em janeiro deste ano, sob denúncias de crimes sexuais, vêm despertando a sociedade para a necessidade de maior prevenção contra abusos durante atendimentos espiritual e de saúde. Uma psicóloga especializada em psicoterapia cognitivo-comportamental e um conselheiro fraterno e expositor da doutrina espírita de Passos falam à Foco sobre o assunto e dão orientações para que as pessoas saibam se proteger e evitem se tornar vítimas de aproveitadores da fé.
     
    A justiça ainda irá decidir se João de Deus e o médico (o cardiologista Augusto César Barreto Filho) são culpados ou inocentes. O caso que gerou maior comoção é o de João de Deus, por ser ele conhecido até no exterior. Parte de suas supostas vítimas buscava tratamento para traumas emocionais, outras tentavam cura para doenças graves, como o câncer. Conforme as denúncias do Ministério Público, o médium se aproveitava da fragilidade psíquica das mulheres para cometer os crimes.
    A psicóloga Heloisa Cristina Silva atende em seu consultório pacientes com variados problemas de saúde mental e emocional, mas, segundo ela, muitos só buscam um tratamento especializado após tentarem outras alternativas. “A promessa de cura rápida é uma questão cultural”, lamenta-se.
    Heloisa Silva explica que os traumas emocionais ocorrem quando as pessoas esgotam seus recursos internos suficientes para lidar com situações desagradáveis e/ou estressantes, que causam dores subjetivas: abuso sexual, roubo, separações, perda de entes queridos, desemprego, acidentes, catástrofes ambientais, etc.
     
    Sem forças próprias para lidar com esses traumas, a pessoa deve buscar ajuda especializada e confiar que irá se recuperar. Segundo Heloisa, essa confiança no profissional, que é comparada à fé religiosa, é fundamental para o sucesso da psicoterapia. “Não adianta a pessoa ir ao consultório, mas não acreditar em seu tratamento. O processo terapêutico não se realiza com quem não quer. A religiosidade da pessoa é preciso ser respeitada”, disse.
    O professor aposentado Irley de Castro é um dos fundadores da Associação Espírita Cáritas, que foi presidida por ele nos últimos quatro anos. No entanto ele ressalta que não fala em nome da entidade, mas a partir do conhecimento que vem adquirindo da doutrina kardecista ao longo de 45 anos. 
     
    “É importante dizer que a mediunidade não é ligada só à doutrina espírita, só que algumas religiões não desenvolveram, até onde eu conheço, estudos estruturantes para administrar essa atividade. Por isso os médiuns fora dos conhecimentos pertinentes ficam expostos a confusões entre a parte espiritual e a parte material, onde o personalismo e a vaidade são os móveis dessas quedas”, explica Irley.
     
     
    COMO SE PRECAVER
     
    Para Heloisa Cristina Silva e Irley de Castro, seja no tratamento espiritual, no consultório médico ou em qualquer lugar em que a pessoa for buscar ajuda para sua doença ou aflição, é fundamental que ela esteja preparada para não se submeter a situações constrangedoras ou abusivas. “O ponto de alerta é quando nosso limite começa a ser extrapolado. Tudo que gera incômodo, a gente tem que repensar melhor”, aconselha Heloisa. 
     
    Conhecimento. As pessoas têm que ter conhecimento. O espiritismo diz que não existem milagres e não existem doenças; existem doentes. Porque o número de enfermidades essencialmente orgânicas, sem interferência psíquica, é positivamente diminuto”, afirma Irley.
     
    O Professor aposentado  Irley de Castro:  “Tudo que você não conhece  trabalha contra você.â€ÂÂÂ
    O Professor aposentado Irley de Castro: “Tudo que você não conhece trabalha contra você.”

     

    REFORMA ÍNTIMA
     
    No Centro Espírita Cáritas, além de fazer periodicamente exposições da doutrina, o professor aposentado atua no aconselhamento fraterno de frequentadores das sessões. Segundo ele, “as pessoas, diante das dificuldades, querem terceirizar a ‘cura’, de preferência pagando, mas somos nós que temos que organizar essa cura através da ‘reforma íntima’ e do conhecimento do funcionamento da vida”. “Tudo que você não conhece trabalha contra você. O corpo é apenas uma parte visível de um iceberg”, frisa.
     
    RESILIÊNCIA
     
    Em seu consultório, Heloisa Silva utiliza sua especialização em terapia cognitivo-comportamental para auxiliar seus pacientes a chegarem mais rápido e objetivamente à superação de seus problemas mentais ou emocionais. “Independentemente do que a vida nos traz, é importante sabermos o que vamos fazer com aquilo”, disse.
     
    “Sem forças próprias para lidar com esses traumas, a pessoa deve buscar ajuda especializada e confiar que irá se recuperar.â€ÂÂÂ
    “Sem forças próprias para lidar com esses traumas, a pessoa deve buscar ajuda especializada e confiar que irá se recuperar.”

     

    Segundo a psicóloga, a psicoterapia é fundamental para que o paciente desenvolva a capacidade de enfrentar e superar as situações adversas da vida, às quais a mente é submetida e que afetam as emoções. “A resiliência é um fator importante, um mecanismo interno para a pessoa conseguir superar os traumas”, conta. 
    “O trauma pode levar a pessoa a desenvolver certos transtornos ao longo da vida: ansiedade, fobia, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo”, explica Heloisa, acrescentando que o tratamento deve ser feito junto à raiz do problema, ou seja, sobre o que provocou o trauma. 
     
    “Os traumas podem surgir em qualquer momento da vida. Portanto o paciente precisa aprender a superar essas lembranças traumáticas, minimizando seus sofrimentos psíquicos. Diante desses desafios, o profissional de psicologia deve adotar postura de cuidadosa escuta e acolhimento, oferecendo amparo psíquico que favoreça a percepção de novas perspectivas de vida após o trauma”, observa. 
     
    Enio Modesto

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